sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

José Luis Cardoso n'O Público de 20100212

A violação do "segredo de justiça" deixou de ser uma ilegalidade para se transformar num facto político ligado a interesses pessoais ou de grupo. Os casos de violação do segredo de justiça nos processos Freeport e Face Oculta são completamente distintos e deveriam merecer no seu tratamento alguma seriedade intelectual, o que manifestamente não tem sido o caso.

No processo Freeport todas as peças processuais divulgadas colocam em causa a honestidade e o bom-nome do primeiro-ministro José Sócrates. Até ao momento o mesmo não foi constituído arguido, nem foi inquirido no âmbito do processo.

Esta situação dever-se-á provavelmente ao facto de em sede de investigação o Ministério Público, como titular da Acção Penal, dispor de elementos que indiciam não serem verdadeiros os factos imputados ao primeiro-ministro José Sócrates.

O interesse na divulgação avulsa de parte do processo tem como objectivo primeiro a destruição do carácter do primeiro-ministro. Para o fim pretendido é indiferente se são ou não verdadeiros os factos divulgados.

A presunção de inocência é um direito, sendo inadmissível a condenação em praça pública de qualquer cidadão sem possibilidades efectivas de defesa.

As peças processuais já divulgadas já condenaram o primeiro-ministro José Sócrates. Tudo o que aconteça no processo será irrelevante.

Situação totalmente diferente se passa com a publicação do despacho do juiz de instrução no processo autónomo aberto com base em certidão contendo factos apurados em escutas obtidas no âmbito da investigação no processo Face Oculta.

O arquivamento daquele processo por decisão do juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça e muito provavelmente com a promoção favorável do procurador-geral da República, causa estranheza e as sucessivas tentativas de esclarecimentos por parte destes magistrados apenas têm contribuído para aumentar a suspeição sobre as verdadeiras razões que conduziram ao arquivamento.

Os factos que são do conhecimento público são claros; três importantes quadros do Partido Socialista estão envolvidos num processo de controlo de órgãos de comunicação social. Referem entre si que o primeiro-ministro terá conhecimento do plano por eles concebido.

O exercício do contraditório não teve lugar.

Assim, será abusivo envolver no caso desde já o primeiro-ministro.

A gravidade de toda a situação vamos encontrá-la nas "conversas" entre os já referidos altos dirigentes do Partido Socialista. O despacho do juiz do processo refere que esses quadros cometeram entre outros os seguintes ilícitos: "tentativa de coacção sobre o sr. Presidente da República"; que "os prejuízos que resultariam de tal operação para a PT seriam previsivelmente pagos com favores do Estado" e que para levar a cabo o plano de controlo de um órgão de comunicação social (a TVI) se dispunham a "recorrer à manipulação da CMVM e ERC".

Até hoje está por esclarecer se corre termos algum processo-crime autónomo do Face Oculta em que estejam constituídos como arguidos, entre outros, os já citados altos dirigentes do Partido Socialista.

Cada vez que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou o procurador-geral da República se pronunciam sobre o tema, maior é a confusão.

A falta de transparência de ministros e altos dirigentes do Partido Socialista tem como consequência que, quando questionados, utilizam argumentos absolutamente inaceitáveis. Veja-se a título de exemplo o que disse o inefável ministro Santos Silva. Sobre os factos constantes no despacho disse nada; contudo teve a insensatez de afirmar que "a divulgação destas escutas punha em causa o Estado de direito".

A nossa opinião é bem mais linear. Não é a divulgação das escutas que coloca em causa o Estado de direito mas sim o conteúdo das mesmas.

Chegados a este ponto e uma vez que está fora de causa qualquer recurso do despacho de arquivamento, resta uma possibilidade: apurar a verdade dos factos em sede de inquérito parlamentar.

A verdade a apurar terá consequências exclusivamente políticas.

Não é entendível a postura do Partido Socialista, ao recusar liminarmente qualquer inquérito parlamentar.

Afinal é ao Partido Socialista que mais interessa esclarecer a situação.

Os argumentos para a sua não aceitação são de uma pobreza intelectual confrangedora.

Existe a convicção generalizada de que o PS tem medo dos resultados do inquérito parlamentar. Porquê?

Ignoro se alguma vez teremos acesso à verdade.

É que se em desespero de causa o PS viesse a admitir o inquérito parlamentar, o PSD opor-se-ia com argumentos ininteligíveis.

Recorde-se que este partido foi recentemente confrontado no Parlamento com o caso BPN e as consequências aí estão: a ex-ministros e altos dirigentes do PSD são imputadas condutas delituosas da maior gravidade. Não estão interessados neste ou qualquer outro inquérito parlamentar. Admiti-los constituiria um precedente perigoso. É que casos como o dos submarinos ou Operação Furacão teriam consequências demolidoras para as suas ambições de poder.

Esta é a democracia que talvez mereçamos. Capitão de Abril, advogado, militante do PS desde 1985, mandatário de Manuel Alegre em 2006

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